ed. Agir
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Logo depois de voltar de Nova York, novamente estudante do Colégio Olavo Bilac, no bairro da Ilha do Governador no Rio de Janeiro, Renato Manfredini Junior volta a se destacar no colégio do Jardim Guanabara, especialmente em redação e língua portuguesa. Sempre voltava para casa com notas altas. Seguia o modelo do bom estudante impresso no boletim: obediente (“Torna-se a alegria do lar”), estudioso (“Faz da escola sua oficina de trabalho”) e dócil (“Transforma a escola no segundo lar”). Gosta do ritual de cantar hinos como o da Bandeira:
Salve lindo pendão da esperança, salve símbolo augusto da paz…
— Nossa, como esse hino é lindo!
Com o desempenho acima da média na escola, sobra tempo para se esbaldar nas brincadeiras com os primos e vizinhos. Foi um fim de infância glorioso: horas e horas de diversão e invenção. Do alto da rua Maraú (na verdade, uma ladeira, sem saída) até embaixo, na rua Tambaú, descia de carrinho de rolimã ou em pranchas de fórmica. Às vezes ia para a Praia da Freguesia curtir a areia e as ondas fraquinhas com a irmã e com os primos Mariane, Hércole e Zé Eduardo (“Zeido”); este último, cabelos loiros e olhos verdes, fascinava Renato, um ano mais velho. Mas o que ele realmente gostava de fazer era passar os domingos na cobiçada piscina do vizinho, o Tio Ivan. Enquanto esperava o almoço, servido somente depois das três da tarde, o primogênito dos Manfredini nadava e brincava de redemoinho com as outras crianças: deitados, todos fingiam se afogar. Junior submergia na piscina funda, de ladrilhos. A cada mergulho, voltava com a ideia de uma nova brincadeira. Às vezes, inspirada em seriados da tevê:
— Maremoto, capitão!
— Submergir para dez mil pés! Marinheiro Kowalski, fechar a escotilha!
Viagem ao fundo do mar, Perdidos no espaço, Túnel do tempo… As crianças não perdiam um episódio dos seriados norte-americanos de TV. Muitas vezes, Renato abaixava o volume da televisão e brincava de dublar os atores, mesmo sem conhecer previamente as cenas que interpretaria. A irmã entrava no espírito e o acompanhava nas sessões de improviso.
— Carmem Teresa, vou fazer o Steve, o Larry, o Doug e o senhor Henderson.
— Tá bom, eu fico com as vozes da Peggy, da Elizabeth e da senhora Hurtington.
Carmem Teresa reparava, contudo, que o irmão se divertia ainda mais quando criava as próprias brincadeiras. Invariavelmente, eram histórias envolvendo personagens de civilizações extintas: grega, romana, até os vikings. Carmem logo percebeu também uma peculiaridade naquelas superproduções imaginárias: além de roteirista, Renato Manfredini Junior sempre se escalava como diretor e ator principal. Irmã, primos e vizinhos ficavam com os papéis coadjuvantes.
Aos fins de semana, um dos passeios preferidos de Junior e Carmem Teresa consistia na ida ao Cine Mississipi, o único cinema da Ilha do Governador, no bairro do Cacuia. Bem próximo ao cemitério, vizinho ao Colégio Olavo Bilac, o Mississipi exibia filmes para toda a família. Muitas vezes, era o avô, José Mariano, quem levava as crianças para assistir aventuras ou comédias. Deram gostosas gargalhadas com Essa pequena é uma parada, de Peter Bogdanovich, estrelado por uma das atrizes preferidas do neto: Barbra Streisand.
A diversão começava no apagar das luzes, com o recolhimento das cortinas. Mesmo quando o filme não agradava a todos (como o documentário Let it be, mais um filme dos Beatles a dividir os irmãos: ele adorou, ela detestou), o passeio já valia pelo hipnótico ritual do descerrar das imensas cortinas brancas, adornadas por cavalos marinhos azuis. A família também ia com frequência ao centro e à zona sul do Rio. Na Sears de Botafogo, uma peculiaridade da loja encantava Renato:
— Hmmm, esse carpete tem cheiro de Estados Unidos. Adoro esse cheiro!
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